tropicuir

Manicure Show NAVALHA

Navalha manicure show Ana Matheus Abbade

Manicure Show NAVALHA

Concepção e curadoria: Ana Matheus Abbade

Esta edição Manicure Show NAVALHA revelará por nós e para nós: gays: bichas: *trans: não-binárias: afeminad_s: masculin_s: lésbicas: corpos não conformados: gênero disruptivo: mulheres desgovernáveis: repito: nesta edição Manicure Show, NAVALHA trará a base de seu EXÉRCITO de NAVALHAS: aquilo em que trazemos em nossas BASE. TRÁ!

Imagem capa: Cybershot___

NAVALHA: manicure show

Bandeira NAVALHA Manicure Show por Ana Matheus Abbade

NAVALHA: manicure show Ana Matheus Abbade

19 horas. Ao som de Frozen2000, composta por Vera Lúcia e Junior Ferreira com repertório eclético entre funk carioca e pop americano de Daniela Avellar, com sentimentos eletrônicos da música house o público era estimulado a soltar o corpo e tomar consciência da potente reunião que ali se configurava.

Uhura Bqueer

Navalha Manicure Show Uhura Bqueer

Uhura Bqueer. Registro: Felipe Molitor

Após passar suas mãos pelas da manicure, com uma peixeira empunhada e na pele (sintética) de uma onça, Uhura Bqueer abre os trabalhos performáticos da noite. Drag queen/transformista paraense, Uhura promove duas performances de lip sync para as canções Piranha (1974) de Alypyo Martins e Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar (Todo dia era dia de Índio) (1981), de Jorge Ben Jor. Ambas as canções evocam, em Uhura, a construção da nacionalidade em torno do corpo amazonense e de suas posições histórica e geográfica. Seu corpo é também assentamento político, conexão tecnoamazônica de passado e presente de luta e visões de futuro. 

A peixeira é um objeto que nos leva de volta a 1989, quando, durante audiência pública em Altamira (PA), foi discutido o projeto de construção do complexo hidrelétrico de Kararaô no rio Xingu, atual Belo Monte. Em um gesto de resistência que percorreu o mundo, a jovem índia Tuíra encostou a peixeira no rosto do então presidente da Eletronorte com um movimento rápido e preciso, para reivindicar suas terras indígenas e o seu espírito de vida. A repercussão desse ato de protesto levou o Banco Mundial a suspender o financiamento da usina.

Vinicius Pinto Rosa

navalha_manicure_show_vinicius_pinto_rosa

Vinicius Pinto Rocha. Registro: VIDAFODONA

A noite segue e Ana recebe Vinicius Pinto Rosa para uma sessão de pedicure que preparou a bicha para o ataque. O artista entra em cena carregando, em cópula, entre os braços e pernas uma estrutura que remete a uma base escultórica – peça por ele construída. Assim inicia a performance Baseline. No centro da sala, Vinicius traça linhas com fita adesiva que tangenciam e demarcam o território que o artista ocupa. 

O envolvimento do seu corpo com a base é intenso, duradouro e movido ao contato – um processo de reconhecimento que leva o artista a subir e se sustentar com segurança e leveza na base, que acomoda seus pés como dois saltos altos. Baseline sintetiza a imaginação de um corpo inconformado que nasce em relação e separação com o mundo. A base, construto moderno que separa a arte do mundo, é substituída por algo complexo, que, tal como a vida, escapa do peso e encontra vetores para novas subjetividades na abstração.

Michelly

navalha manicure show

Enquanto isso, Michelly, assídua frequentadora do espaço Despina e que se encontra em situação de rua no centro da cidade, senta-se na mesa da manicure para reforçar suas próprias unhas com o material disponível, dando pistas de suas intenções naquela noite.

A movimentação de pessoas, em um trânsito constante, faz com o espaço seja tomado por conversas, risadas e gritos – encontros de corpas migas e bailantes. A falta de um bar próprio do Show faz com que as pessoas ocupem também a rua, onde vários ambulantes do centro se fizeram presentes para atender a clientela sedenta. 

Eis que, vestida de Zé Pelintra – terno e chapéus brancos com detalhes e gravata vermelha –, Michelly sobe majestosa as escadas da entrada da Despina carregando nos ombros uma estátua de São Jorge e seu cavalo esculpidos em madeira, material que encontrou na rua. No candomblé, aliás, São Jorge é representado por Ogum. No centro da sala, bem embaixo da bandeira Navalha!, Michelly repousa a escultura e, discretamente, ensaia alguns movimentos de capoeira sobre a escultura, como um ritual de anúncio de chegada. 

Michelly, então, senta-se com as pernas abertas, abraça a peça com carinho, e esconde notas de dinheiros embaixo dela. Enquanto sorri, ela orna a estátua com o colar de contas que trazia envolvido no pescoço: passos de sabedoria e força de uma guerreira que enfrenta o dragão. Ao final, Michelly anexa um pequeno bilhete à escultura, no qual realiza a seguinte inscrição: 50.000 moedas – o preço estimado para a sua obra. Dou uma nota de 50 reais, e ela faz o gesto para me entregar a escultura. Sugiro que a peça se torne uma das obras em exibição na mostra e que ela passe outro dia para buscá-la. Michelly aceita minha proposta e sai da sala para