tropicuir

Obras-corpo

espaço expositivo Os Corpos são as Obras
espaço expositivo Os Corpos são as Obras

Obras-corpo

Arquivo de registros das obras presentes na mostra Os Corpos são as Obras na Despina em 2017.

Obras-corpo provoca pensar um trabalho de arte como uma materialidade inseparável da corporeidade que a concebe; que ainda que ela possa ganhar distância e autonomia como obra, ela estará sempre em relação com a pessoa criadora.

A organização do espaço expositivo da mostra Os corpos são as obras na Despina se deu de tal forma que o espectador começasse a experiência por alguns arquivos históricos de resistências transviadas, notadamente iniciada com a flâmula da Turma OK, para, então, navegar entre trabalhos que pensam as ações da presente década. Comecemos nossa visita “gayada” pela mostra.

1. Turma OK

flamula clube social Turma OK

A primeira obra que se avistava, ao entrar nos limites expositivos da mostra, era a flâmula do clube social Turma OK, um estandarte gentilmente cedido pela direção do espaço para a exposição. A peça, confeccionada em veludo azul, continha adornos dourados que compunham o nome Turma OK. Na última noite da exposição ativamos essa obra estandarte para ela que nos conduzisse em procissão/caminhada pelas ruas da Lapa em direção à noite de celebração no clube Turma OK. Partimos em procissão/caminhada do Despina até o Turma OK, isto é, do Saara à Lapa, onde aconteceu a cuidadosa cerimônia de devolução da flâmula para o presidente do clube, Carlos Salazar Pereira Viegas.

Turma OK é o espaço LGBTQI mais antigo do Brasil: criado em 1961, ele está em atividade desde então, com exceção do período entre os anos de 1969 e 1975, já que o local permaneceu fechado por conta das ameaças de violências repressivas e moralistas do período da ditadura militar.

Segundo o pesquisador Rogério da Costa, em sua dissertação Sociabilidade homoerótica masculina no Rio de Janeiro na década de 1960: relatos do jornal O Snob (2010)¹o nome “turma” era comumente usado nas décadas de 1950 e 1960 por desviados e entendidos, que promoviam encontros em apartamentos para fins de diversão e socialização, uma vez que esse tipo de reunião em locais públicos era socialmente rejeitado e reprimido pela polícia (Costa, 2010). Nas turmas – entre jantares, números de transformismo improvisados e encenações de teatro –, conformavam-se fortes laços de solidariedade. Para manter a discrição, necessária para não chamar a atenção dos vizinhos, os aplausos eram substituídos pelo estalar dos dedos (Costa, 2010). Além da Turma OK, existiram vários outros grupos na cidade do Rio de Janeiro. São exemplos: Turma do Catete, Turma da Glória, Turma de Copacabana, Turma da Zona Norte, Turma do Leme, Turma de Botafogo e o Grupo Snob (Costa, 2010).

Hoje instalado no sobrado de um pequeno prédio na Rua dos Inválidos, a casa promove reuniões e feijoadas entre os sócios. Ela também recebe convidados e apoiadores para eventos, espetáculos de variedades, nos quais shows de gogo boys e transformistas, novatas e veteranas, são a grande atração. Todo ano a casa elege o Rei e a Rainha Turma OK.

O encerramento da mostra foi comemorado na Turma OK, em uma noite especial em homenagem a travesti Luana Muniz.

2 - 22. Eduardo Kac

manifesto de arte pornô eduardo kac

Eduardo Kac Manifesto de Arte Pornô, 1980 Performance “intervenção”, Praia de Ipanema, 1982. 23,7×16,2cm

Movimento de arte pornô Performance Intervenção Eduardo Kac
manifesto de arte pornô eduardo kac
Movimento de arte pornô Performance Intervenção Eduardo Kac

Eduardo Kac Movimento de Arte Pornô Performance “intervenção”, Praia de Ipanema, 1982 DVD da performance 4’43’’, preto & branco, som, vídeo

Eduardo Kac Manifesto de Arte Pornô, 1980 Performance “intervenção”, Praia de Ipanema, 1982. 23,7×16,2cm

Eduardo Kac Movimento de Arte Pornô Performance “intervenção”, Praia de Ipanema, 1982 DVD da performance 4’43’’, preto & branco, som, vídeo

“Arte é penetração e gozo”, diz uma das linhas do Manifesto de Arte Pornô do coletivo Gang e Eduardo Kac, publicado em maio de 1980 e distribuído durante a performance Intervenção na praia de Ipanema, em 1982, momento em que desfilaram palavras, poemas e corpos nus. O registro em vídeo preto e branco da performance Intervenção foi também exibido na parede oposta ao manifesto.

Através da pornografia, o coletivo provocava o strip tease das artes e do conservadorismo dos museus. Usando diversos meios – zines, panfletos, histórias em quadrinhos –, o grupo levava o poema pornô às ruas, à praia, às festas – em plena ditadura militar. Em Memória em disputa: Artes obscenas em foco (2016)²a pesquisadora e curadora Fernanda Nogueira descreve o movimento:

“A partir da noção de ‘anti-tradição’, membros da Gang e do Movimento de Arte Pornô assumiram a poesia e a literatura como territórios a serem pervertidos por meio de um projeto burlesco

Hotspot

Hotspot Fabiana Faleiros
Fabiana Faleiros

Hotspot

Por: Fabiana Faleiros

Como se deu a materialização do trabalho?

Conecte-se faz parte do Mastur Bar. O Mastur Bar é uma coisa bem complexa, mas é um bar. Faço uma performance que se chama aula-show, sobre o gesto desmunhecar.  Gosto de investigar a corpa, notar como se movem as articulações, o que isso tem a ver com nossa ancentralidade cobra, o que tem a ver com os processos coloniais, e criar imagens que movem esse fluxo para outra direção. Na aula-show mostro, com palavras, músicas, imagens e objetos, como esse gesto foi construído como sendo um gesto do repertório feminino branco burguês e depois virou “ser um homem afeminado”. Munheca vem do espanhol, é boneca. A língua do colonizador dando nome pra uma parte do corpo. Eu vou contando a historia – ficção desse gesto com imagens da história da arte canônica a partir do século XVI até chegar nas imagens em que desmunhecar vira um gesto feminino (antes era apenas um gesto nobre). Isso acontece no final do século XVIII, quando aparece nas corpas das mulheres denominadas histéricas pelo diretor do Hospital Psiquiátrico Salpetriere, Charchot, que criou toda uma iconografia para coreografar a histeria como doença exclusivamente feminina. O orgasmo em condições clínicas “curava” as pacientes (sendo masturbada pelo médico). A desmunhecada estava em contratura (gesto que parece um soco pra dentro), bem longe do ventre. A revista Vogue, que surgiu no início do século XIV, depois dessa iconografia, sempre tinha uma mulher desmunhecando na capa. 

Daí chego na dança Vogue, que surgiu em Nova York, no Harlem, nos anos 60, sendo criada por corpas dissidentes de raça, classe e gênero, que subvertem o gesto. Misturado com o break dance, com a ginastica e outras danças afro-hispânicas, desmunhecar vira outra coisa, vira a afirmação de uma potência, questiona o que é ser “mulher”.

A imagem do conecte-se, que tem um wifi buceta-cu, surge nessa pesquisa e também depois de algumas sessões de acupuntura que fiz e senti um alinhamento dos chakras. Ela se materializa quando olho pro símbolo do wifi e vejo um triângulo que é a representação de como a vibração se propaga na água. Nessa parte da performance falo sobre o capitalismo touchscreen, mais uma apropriação da vibração. Assim como os vibradores foram criados para curar a histeria, o celular quer concentrar nosso desejo todo nele, e umas das técnicas é a vibração. O toque sensível à tela, esse tipo de  espelho que rola, é o feed. Como um cachorro que quer esconder o cocô e esfrega a pata no piso frio achando que ali tem terra, estamos sempre buscando TUDO no feed. 

O conecte-se é sobre a conexão de si, o cuidado de si, a masturbação como gesto de cura e produção de vibração que começa no chakra básico e vai ate o coronário. É uma forma de visualizar e ao mesmo tempo apagar esse aprendizado colonial sobre o amor romântico, sobre a educação pela pornografia mainstream, sobre a desconexão entre sexo e espiritualidade. 

Como você vê seu trabalho hoje?

Comecei o Mastur Bar em 2015 e desde então muitas pessoas colaboraram com o projeto e ele foi tomando outras formas. Me sinto mais próxima do conecte-se. Tenho feito praticas de gozar sem objeto, pensar as fronteiras entre o riso, o gozo e o choro, acupuntura. Não sei se faria diferente. Talvez não. Vejo o trabalho como um pequeno arquivo que agora me leva para os ossos, além dos gestos. Tenho pensando na relação entre pélvis e esfenoide, o osso que faz a mandíbula se mexer, dentre outras coisas. É o primeiro osso que surge na base do crânio e tem o mesmo formato borboleta da pélvis. Tenho pensando assim: uma boca virada pra terra e bem diferente da boca pra frente.   Gosto de ler imagens e continuo lendo. Mas tem uma coisa que é produzir imagens, acho que me localizo mais na produção de imagens como se fossem um oráculo. Assim fico mais a vontade pra diferenciar intuição, paranóia e desejo. 

Que palavras conectam, colocam seu trabalho em relação com práticas, corpos, textos?

Oracular-se
Desejo
bell hooks: O amor como a prática da liberdade
Magia
Solange, tô aberta 
Irmã
Kundaline
Plexo Solar 
Maria Galindo: No se puede descolonizar sin despatriarcalizar

Bio:

Artista-pesquisadora, trabalha na intersecção entre arte, produção de subjetividade e invenção de pedagogias. Doutora em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ com a tese Lady Incentivo SEX 2018: um disco sobre tese, amor e dinheiro. Em 2017 participou da residência Capacete – Documenta 14, Atenas, Grécia e em 2018 da 10ª Berlin Biennale.

Fabiana Faleiros

Como se deu a materialização do trabalho?

Conecte-se faz parte do Mastur Bar. O Mastur Bar é uma coisa bem complexa, mas é um bar. Faço uma performance que se chama aula-show, sobre